Até aquela sexta-feira nas pontes do Mapocho eu não tinha percebido que a juventude tinha tornado a mudar. A cidade estava tomada por uma geração posterior à minha. As crianças que tinham menos de dez anos quando eu saí, mal e mal capazes de apreciar nossa catástrofe em toda sua magnitude, andavam agora pelos vinte e dois anos. Mais tarde encontraríamos novas evidências da forma com que essa geração que se ama à luz pública tinha sabido preservar-se dos convites constantes da sedução. São eles que estão impondo seus gostos, seu modo de viver, suas concepções originais do amor, das artes, da política, em meio à exasperação senil da ditadura. Não há repressão que os detenha. A música que se ouve a todo volume por todo lado - até nos ónibus blindados dos carabineros, que a escutam sem saber o que escutam -, são as canções dos cubanos Silvio Rodríguez e Pablo Milanés. As crianças que estavam na escola primária nos anos de Salvador Allende, são agora os comandantes da resistência. Isto foi para mim uma comprovação reveladora e ao mesmo tempo inquietante, e pela primeira vez me perguntei se na verdade serviria para alguma coisa minha safra de nostalgia.
Eu não podia ir embora do lugar sem levar em mim a imagem da estátua de Dom Nicolás Palacio, autor de La Raza Chilena, um livro insólito que pretende que os chilenos autênticos, anteriores às grandes migrações - a basca, a italiana, a árabe, a francesa, a alemã -, são descendentes directos dos helenos da Grécia clássica, e estão portanto determinados e marcados pelo destino para ser a força hegemónica da América Latina, e para mostrar o caminho da verdade e da salvação do mundo. Eu nasci muito perto de lá, e durante toda a infância me acostumei a ver a estátua várias vezes ao dia quando passava para ir à escola, mas ninguém nunca soube explicar-me de quem era. Pinochet, admirador máximo de Dom Nicolás Palacio, resgatou-o agora de seu limbo histórico com outro monumento erguido no coração de Santiago.
Supongo que la estatua a la que se hace referencia en la cita es la de la Plaza Baquedano, también conocida como Plaza Italia o de La Dignidad. No sabia de la delirante historia del tal Dom Nicolás.
Saludos,
ResponderEliminarAyer acabé de leer una novela:
http://lerdigital.aemm.pt/download/72/A%20Aventura%20de%20Miguel%20Littin%20Clandestino%20no%20-%20Gabriel%20Garcia%20Marquez.pdf
Habla un par de veces de los jovenes.
Cita:
Até aquela sexta-feira nas pontes do Mapocho eu não tinha percebido que a juventude tinha
tornado a mudar. A cidade estava tomada por uma geração posterior à minha. As crianças que
tinham menos de dez anos quando eu saí, mal e mal capazes de apreciar nossa catástrofe em
toda sua magnitude, andavam agora pelos vinte e dois anos. Mais tarde encontraríamos novas
evidências da forma com que essa geração que se ama à luz pública tinha sabido preservar-se
dos convites constantes da sedução. São eles que estão impondo seus gostos, seu modo de
viver, suas concepções originais do amor, das artes, da política, em meio à exasperação senil
da ditadura. Não há repressão que os detenha. A música que se ouve a todo volume por todo
lado - até nos ónibus blindados dos carabineros, que a escutam sem saber o que escutam -, são
as canções dos cubanos Silvio Rodríguez e Pablo Milanés. As crianças que estavam na escola
primária nos anos de Salvador Allende, são agora os comandantes da resistência. Isto foi para
mim uma comprovação reveladora e ao mesmo tempo inquietante, e pela primeira vez me
perguntei se na verdade serviria para alguma coisa minha safra de nostalgia.
Eu não podia ir embora do lugar sem levar em mim a imagem da estátua de Dom Nicolás
Palacio, autor de La Raza Chilena, um livro insólito que pretende que os chilenos autênticos,
anteriores às grandes migrações - a basca, a italiana, a árabe, a francesa, a alemã -, são
descendentes directos dos helenos da Grécia clássica, e estão portanto determinados e
marcados pelo destino para ser a força hegemónica da América Latina, e para mostrar o
caminho da verdade e da salvação do mundo. Eu nasci muito perto de lá, e durante toda a
infância me acostumei a ver a estátua várias vezes ao dia quando passava para ir à escola, mas
ninguém nunca soube explicar-me de quem era. Pinochet, admirador máximo de Dom Nicolás
Palacio, resgatou-o agora de seu limbo histórico com outro monumento erguido no coração de
Santiago.
Saludos y gracias, Anónimo.
EliminarSupongo que la estatua a la que se hace referencia en la cita es la de la Plaza Baquedano, también conocida como Plaza Italia o de La Dignidad.
No sabia de la delirante historia del tal Dom Nicolás.
"Não há repressão que os detenha".